segunda-feira, 18 de outubro de 2010

LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro:Rocco, 1998.





" Ajoelhou-se trêmula junto da cama, pois era assim que se rezava e disse baixo, severo, triste, gaguejando sua prece com um pouco de pudor: alivia minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar não é morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária , faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer um beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora da morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém."

Clarice Lispector

2 comentários:

  1. da oração de um pássaro

    a outro pássaro

    faze com que eu voe sempre

    sem perguntar porquê!


    um beijo

    manuela

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